Exposição

Instrumentos de Avaliação Psicológica na Linha do Tempo

Transcrições dos comentários da Professora Zilda Fidalgo

“As gravações que apresentamos foram realizadas há cerca de 25 anos, como se pode constatar pela qualidade da imagem. A primeira foi feita quando a Ana tinha 5 anos e 11 meses e a segunda precisamente 1 ano mais tarde. Hoje, a Ana é ilustradora e aguarelista. Estas gravações têm sido utilizadas, ao longo destes anos, nas aulas práticas de Psicologia do Desenvolvimento, para mostrar a evolução do pensamento pré-operatório para o pensamento operatório.

Porém, devem ser sublinhados alguns aspectos que tornam estas gravações particularmente interessantes:

 O primeiro tem que ver com a relação entre mim, Zilda Fidalgo, e a Ana. É uma relação muito próxima e de grande confiança, o que explica, em parte, o à-vontade da Ana e até o facto de ela “pensar alto”:

parecendo que estamos a ler as interpretações pelo próprio Piaget, do comportamento das crianças, na génese das estruturas lógicas elementares.

Outro aspecto tem que ver com o contexto físico em que decorrem as gravações, numa casa que é conhecida e frequentada pela Ana.

Finalmente, foi minha intenção seguir, o mais de perto possível, o método piagetiano de observação. O método clínico-crítico, que consiste em seguir o raciocínio da criança, sendo as questões colocadas em função das suas próprias respostas, tentando criar conflitos cognitivos a partir do seu próprio raciocínio, muitas vezes expresso verbalmente, o que nos facilitou a tarefa. Mas nem sempre esse raciocínio é expresso, pelo que as nossas questões são o resultado de hipóteses que vamos formulando ao longo da entrevista.

Zilda Fidalgo,
in memorian

Quando observamos estes vídeos, mais do que preocuparmo-nos com determinar a fase ou estádio em que a criança se encontra, devemos tentar perceber como funciona o seu raciocínio. Antes das estruturas lógicas a criança tem um pensamento estruturado, mas que não obedece às leis da lógica. Por isso é importante a distinção entre estruturas do pensamento, nem sempre lógicas, mas que também não são ilógicas.

Os comportamentos da Ana serão comentados não apenas em função da teoria Piagetiana do desenvolvimento cognitivo, mas tendo também a preocupação de estabelecer relações com os pontos de vista, nomeadamente, Vygotsky e Wallon.

As provas piagetianas que escolhemos abordam a classificação, a seriação e a conservação das quantidades contínuas e discretas.”

1ª prova

Classificação de objectos geométricos:

“Ao perguntar o que é parecido/igual? A Ana mostra aquilo a que Wallon chama “pensamento por pares”. Não se trata de uma simples questão semântica. O par é uma estrutura elementar do pensamento: não se trata da associação de dois termos próximos, mas antes pelo contrário, de uma associação em que dois termos se excluem mutuamente. Assim, para responder à instrução a Ana tem que procurar um critério unificador e simultaneamente exclusivo, isto é, os objectos que pertencem a um dos termos têm que ser excluídos do outro termo. É assim que chega ao critério “cor”: o que é verde não pode simultaneamente amarelo. A cor é o critério que mais se impõe do ponto de vista perceptivo. O comportamento da Ana enquadra-se assim nos resultados obtidos por Piaget e colaboradores para o início da fase anterior à classificação operatória, equivalente às colecções não figurais. A passagem para a classificação operatória vai ser lenta e vai seguir comportamentos por vezes inesperados. É o que se verifica com a Ana, quando se lhe pede para arrumar as figuras geométricas de outra forma: o seu comportamento oscila entre as relações de conveniência, tentar fazer um boneco, e as composições de figuras complexas. Isto significa que a Ana ainda não concebe que o mesmo objecto pode pertencer simultaneamente a duas categorias, por exemplo, fazer parte dos amarelos e dos triângulos. A escolha do critério cor continua a ser essencialmente um critério perceptivo e de contiguidade, isto é, de comparação com o mais próximo, e não um critério resultado d abstracção operatória. Esta convicção acerca do critério cor é tão forte que a Ana quando arruma as figuras geométricas as reúne novamente em função da cor. É o que se chama pertença inclusiva sob um mesmo critério, mas sem encaixes hierárquicos.

O facto de a Ana verbalizar o que vai fazer antes de iniciar a acção de juntar os que são parecidos, mostra igualmente que as acções não são realizadas ao acaso, mas planeadas, o que evidencia já competências metacognitivas que lhe permitem planear e controlar a acção em direcção a um objectivo preciso. Isso verifica-se particularmente na primeira resposta, enquanto nas respostas seguintes a Ana vai tacteando sem ter um plano pré-definido.

Finalmente se na entrevista não lhe fosse pedido para juntar o que é parecido, a questão “parecido/igual” provavelmente não se lhe teria posto: é através da relação com o outro que a criança vai orientando as suas formas de pensar de acordo com o pensamento dominante da sua comunidade cultural, como afirma Vygotsky, e o seu primeiro contacto com o significado dá-se através da palavra na relação com o outro.”

2ª prova

Porquê esta 2ª prova: o comportamento das crianças pode variar consoante os materiais (desenvolvimento em extensão) e as instruções que lhe forem dadas.

Novamente a Ana não diferencia parecido/igual em termos semânticos, demonstrando mais uma vez “o pensamento por pares”. Ela junta as abóboras com as abóboras e as flores com as flores, pessoas com pessoas, veículos com veículos e os animais. Reparem que só há um cavalo e uma ovelha e, para as crianças desta idade, não há colecções de um só elemento, é por isso e não porque tenha adquirido a noção de classe, que a Ana é forçada a juntá-los com as galinhas. Como iremos verificar noutro momento da conversação a Ana ainda não é capaz de inclusão hierárquica, em que elemento pode ser parte simultaneamente de uma subclasse e de uma supra classe, que se encaixam.

A mudança de instrução de “junta o que é parecido” para “junta o que fica bem”, pretende verificar se a Ana distingue relações de conveniência das colecções. São coleções, por exemplo “jardim”, “horta” , “quintal”, “jardim zoológico”. A Ana justifica a junção das flores, das abóboras e dos animais, referindo a colecção como quintal. Podemos dizer que é uma colecção figural, na medida em que esgota todos os elementos que partilham o mesmo espaço.

É uma definição que faz com que se considere, por exemplo, uma baleia é um mamífero e, quando os miúdos dizem que uma baleia é um peixe porque nada e anda no mar como os peixes, vive no mesmo habitat. É através da transmissão cultural de conhecimento, em particular na escola, das definições de mamífero e peixe que fica a saber que a baleia é um mamífero. Da mesma maneira que são capazes de dizer que um morcego é uma ave e não um mamífero, exactamente porque um morcego voa, mas tem outras características que faz com que seja incluído na classe dos mamíferos e não na classe das aves. Mesmo um adulto não escolarizado, que não tenha conhecimentos sobre a definição do que é um mamífero, um peixe, ou uma ave, sendo todos eles animais, pode perfeitamente dizer que a baleia e o golfinho são peixes ou que um morcego é uma ave.”

3ª prova da inclusão de classes

“Destina-se a verificar se a crianças conseguem utilizar na lógica da inclusão de classes os termos “todos” e “alguns”. É evidente que na comunicação quotidiana as crianças antes dos 7 anos podem utilizar estes termos de forma adequada em termos pragmáticos, mas não enquanto quantificadores lógicos da inclusão.

“Todos os azuis são círculos?”, a Ana é capaz de, com este material, incluir os quadrados azuis no conjunto dos azuis. Pedi para acompanhar a resposta verbal com uma resposta motora para ter a certeza do sentido da resposta.

À questão “Todos os quadrados são azuis?”, ela oscila entre duas resoluções: incluir os quadrados azuis na classe dos quadrados ou incluir os quadrados nos azuis, por isso faz uma descrição do que está a ver à frente dela, “estes são, estes não são”, sem fazer inclusão. Esta resposta está em consonância o comportamento demonstrado na 1ª prova.

Um aspecto importante desta prova é que as crianças podem dar respostas adequadas com este material, mas contraditórias se forem utilizados outros objectos, como veremos adiante. O que implica que não sendo a resposta estável em função material as operações lógicas subjacentes também o não são.”

4ª Prova de seriação de comprimentos

“Tal como na ordenação das figuras geométricas e nas perguntas da Ana sobre o igual/parecido, o seu comportamento evidencia o “pensamento por pares”, que se excluem mutuamente, o grande e o pequeno. Daí as suas comparações com o mais próximo, não esgotando todos elementos a ordenar: uma régua não pode ser simultaneamente grande e pequena. Este pensamento vai-se complexificando, contudo, pela formação de pares adjacentes que se agrupam: como se verifica no primeiro comportamento de seriação de comprimentos exibido pela Ana.”

5ª prova conservação das quantidades descontínuas ou discretas

A contagem é socialmente transmitida do adulto para a criança, mas saber contar não implica necessariamente que a criança tenha adquirido a noção lógica de número e a noção de conservações lógicas das quantidades discretas.

O objectivo da prova é perceber se as respostas de conservação da Ana se baseiam na simultaneidade das acções, para dar uma resposta baseada na correspondência termo a termo. e qual o papel da contagem na construção dessas respostas.

Um dos princípios da contagem é o da correspondência termo a termo: quando a criança começa, sob a iniciativa do adulto ou a partir da sua imitação, a enunciar os numerais, que são nomes que designam objetos, o faz recorrendo simultaneamente a acção verbal e à acção motora apontando o objecto. Esta simultaneidade de acções exige uma grande precisão por parte da criança. Mas por sua vez não exige, para que seja bem-sucedida, que a Ana distinga as acções práticas das acções mentais e seja capaz de realizá-las mentalmente nos dois sentidos, ora juntando ora retirando, tendo consciência de que se trata da mesma acção (reversibilidade operatória).

Outra questão importante na conservação das quantidades tem que ver com dois aspectos do conhecimento distintos: o infra lógico do conhecimento, que respeita ao espaço ocupado e a quantidades que se podem medir, mas não contar (ar, líquidos, gás, superfícies, volumes) e o domínio lógico-matemático.

A criança no estádio pré-operatório confunde muitas vezes o espaço ocupado com a quantidade, isto é, os domínios lógico-matemático e infra lógico do conhecimento ainda se confundem.

Quando se pede para fazer uma fila de contas (quantidades discretas) com uma configuração termo a termo, estamos a induzir uma resposta que aponta para a equivalência das quantidades baseada na configuração perceptiva, e não nas operações.

Ao desfazermos o arranjo perceptivo baseado na correspondência termo a termo, e apesar de saber contar, A Ana antecipa a pergunta dizendo “vais ter mais” porque me falta “este bocadinho”, confundindo o espaço ocupado e a quantidade.

O facto de saber contar e quando tal lhe é pedido por mim, suscita uma contradição entre a sua previsão inicial e o resultado, por via de um conflito cognitivo, certamente suscitado de fora para dentro, mas utilizando as ferramentas culturais e sociais que a criança já adquiriu, nomeadamente a contagem.”


2ª parte: 6 anos

“No 2º ano de observação repetem-se essencialmente as provas dos 5 anos, mostrando-se, contudo, cada vez mais sensível aos conflitos cognitivos suscitados quer pelas suas respostas quer pelas questões levantadas pelo Outro.

As observações permitem-mos constatar a passagem lenta e não simultânea de respostas pré-operatórias para respostas operatórias. Tal como anteriormente, a Ana continua a tratar parecido e igual da mesma forma.

No entanto na prova de classificação, a pregnância perceptiva não é tão efectiva, podendo libertá-la para outros critérios menos imediatistas como a fora e a dimensão, o que constitui um avanço considerável em relação ao ano anterior.

Agora é preciso pensarmos que estes comportamentos da Ana ou de qualquer criança na idade dela são suscitados pelas perguntas e pelo material que o adulto põe à disposição dela. O adulto, quando põe determinado tipo de materiais à disposição da criança e quando faz determinado tipo de perguntas, tem objectivos precisos que são suscitar na criança respostas que espontaneamente e com qualquer material, provavelmente, não teria.

O contexto na solicitação de raciocínios diferentes do comum, do dia-a-dia, é essencial:

Quando Piaget e colaboradores põem este tipo de problemas às crianças desta idade têm um objectivo na cabeça, que é perceber como elas chegam ao pensamento lógico, perceber como se chega ao pensamento lógico é um dos objectivos da epistemologia genética e todos os problemas que põem à criança obedecem a esse desígnio, saber como é que se atinge o pensamento lógico, que é a base do pensamento científico e isso é culturalmente determinado,

provavelmente nem todas as culturas têm a mesma preocupação com o conhecimento científico e com a lógica, no entanto, hoje em dia, e com a comunicação entre diversos povos e diversos níveis de desenvolvimento, o pensamento lógico é necessário como instrumento de conhecimento para os países e para os povos estarem em igualdade de circunstâncias.

Efectivamente, quando pedimos à Ana que reduza o número de montinhos de figuras geométricas, estamos a obrigá-la a uma inclusão de classes, cuja necessidade apenas advém de lhe ser solicitada naquele contexto específico.

Ora, aqui, ela faz quatro montes e põe, aqui os arcos e põe os círculos e o que eu tento fazer é obrigá-la a incluir tudo o que é curvo e circular no mesmo monte, portanto isto é uma subclasse daquela classe mais geral. Ela diz 3 montinhos. Ela faz a inclusão de subclasses na classe total. (é pedido à Ana no filme que volte a arrumar os montinhos de uma outra maneira). Ela agora dentro de cada uma das classes, segundo a forma, vai fazer subclasses segunda a dimensão. Agora ainda existe uma certa pragnância perceptiva, porque ela faz os montinhos segunda a dimensão todos juntos, portanto perto uns dos outros, os triângulos estão todos juntinhos com diferentes dimensões, depois põe os quadrados da mesma forma – os triângulos da mesma dimensão serem todos da mesma cor (amarela) é cuincidência do material.  A Ana já não se sente influenciada pela cor, tanto que junta os quadrados vermelhos com os verdes tendo a certeza de que são da mesma dimensão.  Agora, põe os semi-arcos todos juntos em função da dimensão. E mais uma vez nota-se que ela tem um plano e que antes de agir diz como é que vai fazer, portanto ela em termos metacognitivos tem um plano de acção, plano que regula a sua própria acção. Aqui acentua-se mais uma vez o aspecto a configuração que ela junta os quadrados perto dos quadrados e afasta-os dos triângulos – em termos espaciais ela faz esta separação.

Nesta primeira pergunta (prova do todos e alguns) eu estou à espara que ela me respnde que também há quadrados azuis. Ela foge a responder. Peço-lhe para me mostrar para ter a certeza da resposta dela. Eu repito a primeira pergunta. Aqui pode haver o efeito de ordem da pergunta para ela responder de forma adequada à pergunta, o que não aconteceu quando fiz a primeira vez. Portanto, quando eu iniciei as perguntas ela não responde ao que eu estava à espera que era: tb há quadrados azuis, só disse que 4 são encarnados. Portanto, eu repito a pergunta para ver se ela diz isso, ela diz de facto, mas pode haver um efeito de ordem e contaminação pela resposta anterior. De qualquer maneira, há um avanço em relação ao ano anterior em que ela, aparentemente, já domina até certo ponto, a utilização lógica do todos e alguns. Outra coisa que é importante é que ela percebe perfeitamente, aquele ar enfado que faz é como se eu lhe estivesse sempre a fazer a mesma pergunta, mas de maneiras diferentes. Ela não percebe, e dificilmente uma criança entende porque é que um adulto lhe está sempre a perguntar as mesmas coisas que aparentemente são a mesma, portanto ela antecipa a própria pergunta dizendo circulos que era o que faltava falar.

Agora é classificação de objectos de natureza diversa. Portanto, aqui é engraçado porque ela diz a flôr com a abóbora. “Achas que são parecidos?” Há aqui claramente uma intuição do pensamento intuitivo que ainda não é pensamento lógico e que ela não sabe justificar porque como para ela semelhante e igual são a mesma coisa ela olha para a abóbora e para a flôr e, de facto, em termos da forma não são nada semelhantes, são muito diferentes. É preciso um nível de abstracção superior que acaba por vir a ser induzido mais tarde, mas que é claramente pensamento intuitivo. É a etapa que precede o estádio das operações concretas. A Ana não sabe o nome que se dá e aí é o papel da transmissão cultural, das interacções. A diferenciação entre o igual e o parecido, em termos semânticos, ainda não está claro. Há mais animais do que galinhas e aparentemente a resposta está certa. Agora, como Piaget diz, é preciso perceber que mais do que a resposta é a justificação. E na resposta que ela deu não faz a inclusão de classes, portanto é por isso que lhe pergunto. Mostra lá porque é que achas que há mais animais. Portanto, uma resposta aparentemente correcta, não está correcta porque o processo de pensamento que a levou à resposta não é o da inclusão de classes. Não é intuitiva, ela não faz uma supraclasse dos animais, portanto, aparentemente por causa do nº de objectos, porque ela diz que há mais animais do que galinhas, porque há 1, 2, 3, 4, 5 (ovelhas e cavalos) e aqui só há 4 galinhas. Ela exclui as galinhas da supraclasse animais. O que acontece é que a resposta é mais guiada pela percepção do que pelo raciocínio. É importante o aspecto da contagem. Ela pode não ter a noção de nº mas sabe contar e pode não ter a noção lógica, pois sabemos que esta é o resultado da fusão da classificação e da seriação. Portanto, dá o cardinal e o ordinal. Ela pode não ter a noção lógica de nº, mas a contagem que é uma transmissão cultural, claramente, não é indiferente para o tipo de raciocínios que ela faz. E é preciso ter cuidados porque Piaget diz-nos que antes a criança pode ter o conhecimento puramente verbalista que não é um pensamento operatório. Agora, o pensamento pode ser verbalista e de repetição, mas que contribui para o pensamento operatório e a prova está aqui, nas respostas que ela vai dando. Portanto, podemos dizer que é um pensamento puramente verbalista porque ela faz entrar a contagem, que lhe foi transmitida, num pensamento. Portanto, as transmissões culturais e as interacções sociais fazem parte integrante da formação dos conceitos e das classes. Portanto, não é um trabalho individual, mas é um trabalho de co-construção. Estes videos, por um lado, não desdizem a teoria Piagetiana, mas por outro lado põem o enfâse na co-construção e no papel das transmissões culturais e interacções sociais que acontece, é um papel que não é apenas de facto desenvolvimento, mas que faz parte integrante do desenvolvimento. E não é um factor que age de fora para dentro, portanto é um factor que integra o próprio desenvolvimento e que sem isto não há desenvolvimento. O conhecimento e o desenvolvimento não são o resultado apenas do sujeito, mas da interação do sujeito com os outros da mesma cultura e aqui este pensamento apenas verbalista do 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, que nós percebemos que alguns aspectos da noção de nº está adquirida como a sequência dos numerais, correspondência termo a termo, portanto a cada objecto corresponde um numeral, um nº. Mas o numeral para as crianças desta idade muitas vezes é um nome e vamos ver isto a seguir. Por exemplo, se perguntarmos a uma criança quantas pernas tem esta mesa e ela diz 1,2, 3, 4. Esta é a quatro. E vamos ver a seguir, quando ela passar pelos animais e o raciocínio que lhe é suscitado pelos animais é apenas suscitado porque eu faço perguntas com determinado objectivo, porque se não as fizer não suscita aquele tipo de comportamento. É a importância da interacção social e dos objectivos que uma comunidade cultural tem em relação ao desenvolvimento, portanto as expectativas. Na nossa interacção com a criança, pomos as expectivas culturais sobre o desenvolvimento em acção e queremos que ela atinja o pensamento lógico. E para isso fazemos perguntas que a obriguem a pensar logicamente sobre determinado tipo de materiais.

Ela agora responde que há mais animais. Já é uma reposta de inclusão de classes, mas essa inclusão de classes, é o resultado do raciocinio que mais uma vez é soscitado pelas perguntas que são feitas em função das respostas que ela vai dando, e pelo facto de ter retirado um animal, para ver se ela faz mesmo a inclusão de classes. Se ela dissesse a mesma coisa não fazia a inclusão, por isso lhe tirei um nº. Ela mesmo sem olhar para os objectos, conta na cabeça dela quantos é que tem e quando conta é como se visse os objectos. É por isso, que os miúdos nesta idade ou até mais cedo, são capazes de, mesmo sem ter a noção lógica de nº do modelo Piagetiano, podem perfeitamente fazer contas de soma e subtracção com numerais inferiores a 10, porque as fazem com base na percepção, guiados pela imagem mental. É como se tivessem um retrato mental. No fundo, o que ela está a fazer é transferir o raciocínio que teve sobre os animais, que foi obrigada a ter sobre os animais, a transferir para os vegetais. E conta o número e este conta como um nome. Ela conta mais do que 10 e pronto, ela como não sabe o nome, utiliza o nº, como se fosse um nome. Aqui está novamente o papel das interacções sociais e das transmissões culturais para dar o significado, o nome à classe.”

SERIAÇÃO

“Isto que ela faz de juntar é considerado o método sistemático. Ela comparou com as duas e compara simultaneamente com a que está posta na séria e com a que escolheu a seguir. Duas comparações que ela tem de fazer, com antes e com o depois. E aqui faz a intercalaçã. Ela está no ínicio do operatário. Não há uma tentativa erro, mas sim uma procura sistemática e activa de ver onde aquilo fica bem. Não é bem uma tentativa erro. Uma tentaiva erro era ela pôr, pousar, pôr e depois pousar. Agora o que ela faz é ir andando com a régua até encontrar a que é maior. (A prepósito da utilização deste tipo de pensamento…) O pensamento sistemático só é usado quando é solicitado directamente, porque pragmáticamente vai na experiência empírica. Este só acontece em situações muito pragmáticas porque aí o que predomina no quotidiano é a adaptação, criamos hábitos independentemente se serem premissas verdadeiras ou falsas, são chamados os modelos mentais que os alunos estudam no 1º ano. Portanto, aquilo que é solicitado nestas provas piagetianas é o pensamento sistemático e organizado segundo um determindao tipo de regras, que de facto não é necessário para resolver problemas no quotidiano. Mas tb sabemos que todos os adultos, em todas as culturas, chegam ao estádio das operações concretas. É importante relembrar a adaptação dos materias. Antigamente, todas as provas apenas chegavam ao pensamento pré-operatório e quando se adaptou ao quotidiano e se baseava não na nossa cultura, mas ao ensino formal, obtiveram-se outros resultados. Aqui foi tentativa erro, em que é claramente maior e ela põe lá, depois é que vem par tráz. De qualquer das formas vê-se que há um plano e uma imagem mental que precede a acção. Mesmo uma coisa que acontece qd se fala das seriações e das classificações é que parece que as crianças fazem a seriação antes da classificação e na inclusão de classes por causa da boa imagem percetiva das escadinhas das réguas. (Falar da contra-prova).”

CONSERVAÇÃO

“Correspondência termo a termo. (depois de a Ana dar a resposta que há mais amarelos que azuis). Peço para ela contar para ver se a contagem influência ou não a resposta, o seu racicionio, para ver se o resultado da contagem entra em conflito cognitivo com a afirmação anterior. O que gera a mudança da resposta foi a minha pergunta – isto é exemplo claro de um conflito, da passagem de uma fase para a outra. O que gera conflitos cognitivos? É a informação que vem de fora que contradiz a nossa posição inicial. Não podemos dizer que ela está no estádio operatório, aquilo que se pode dizer é que ela está na passagem do pré para o operatório. Pode haver o efeito da pergunta. Ora se um adulto me faz a mesma pergunta duas vezes é porque procura respostas diferentes. Mas mesmo que seja isto, significa que a criança ainda não resiste ao dominio do adulto, em termos morais é a fase da heteronomia, em que o poder do adulto se sobrepõe ao resto. Mas aqui, qd lhe peço para usar a contagem, ela já sabe que ao contar contradiz-se em relação ao raciocinio anterior e mostra mais uma vez que as provas piagetianas não mostram todo o desenvolvimento possível da criança. Há que ter em conta outros aspcetos da transmissão cultural. Na prova das quantidades discretas, vê-se que a Ana utiliza a contagem, que seria o tal conhecimento verbalista, mas que não é tão verbalista quanto isso, não é apenas verbalista, para chegar a níveis superiores de pensamento lógico. A Ana confunde as operações lógicas das infra-lógicas. As infra-lógicas são aquelas que dizem respeito às quantidades continuas, como o ar, os liquidos, etc. e confunde o espaço ocupado com a quantidade. É induzida pela percepção e pela pergunta do adulto. Reconhece a identidade da quantidade. Já não estão 8. Se ela pergunta se ainda estão 8, é porque provalvelmente não estão e ela vai contar. Ela aqui baseia-se no reconhecimento da igualdade.”

Zilda Fidalgo (⛥1948 – ✞ 2011)