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Ruído subaquático: uma ameaça cada vez menos silenciosa

18 de Novembro, 2021

O som propaga-se debaixo de água quatro vezes e meia mais rapidamente do que no ar; muitos animais marinhos comunicam e dependem da emissão e captação de sons para regular o seu comportamento e ciclo de vida. Por isso, o excesso da atividade humana em meio marinho tem vindo a amplificar o problema ambiental que é designado como ruído subaquático.

Manuel Eduardo dos Santos, que tem estudado “alterações comportamentais em mamíferos marinhos que podem ser, por vezes, associadas ao aumento dos níveis de ruído”, foi convidado a participar num documento publicado pelo European Marine Board intitulado Addressing underwater noise in Europe: Current state of knowledge and future priorities.

“Tem havido muito mais atenção pública, das instituições de investigação, governos e agências de financiamento, para problemas como a sobrepesca ou a poluição química e uma menor atenção, relativamente falando, para outro problema gerado pela atividade humana no oceano: as atividades ruidosas”, adianta o professor e investigador do Ispa. Estas incluem o tráfego de navios; a construção no meio marinho, que muitas vezes envolve explosões; a cravação de estacas para fixar torres petrolíferas ou turbinas eólicas; cais e obras portuárias; e atividades militares que também envolvem explosões ou sonares de alta intensidade. O impacto sonoro destas atividades é inegável e, segundo o Professor Manuel Eduardo dos Santos, “fomo-nos dando conta que podem mesmo levar à morte de muitos animais”.

Foi convidado para integrar este projeto, que foi “fazer um ponto de situação sobre o que sabemos sobre o problema ambiental do ruído subaquático nos mares europeus”, há cerca de ano e meio: “é engraçado, e foi uma piada entre nós, que nunca nos conseguimos reunir pessoalmente devido à pandemia. Eu tinha dito que teria muito gosto em organizar uma reunião aqui no Ispa – que nunca chegou a acontecer porque, entretanto, acabámos o trabalho”. Foi a primeira experiência de Manuel Eduardo dos Santos a trabalhar com o European Marine Board, mas já integrara outros consórcios europeus, nomeadamente o Joint Programming Initiative Healthy and Productive Seas and Oceans, onde participou “por nomeação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que me convidou a ser o representante português”.

Quando este novo desafio surgiu, aceitou-o sobretudo porque “estamos a falar de efeitos na cadeia trófica toda, sistémicos no meio marinho – isto tem que ser estudado; têm que ser encontradas maneiras de mitigar o problema”. Elabora, explicando que “temos que conhecer bem quais são as atividades mais lesivas. Entre os organismos potencialmente afetados, estamos a falar sobretudo de mamíferos marinhos, foi por isso que me interessei; contudo, sabemos agora que também peixes, moluscos, corais e até o zooplâncton têm mostrado uma mortalidade mais elevada devido ao ruído subaquático”. No entanto, nem só em taxas de mortalidade se reflete o impacto desta ameaça: outros efeitos biologicamente significativos incluem “o abandono de um habitat ou a interrupção de atividades críticas de alimentação ou reprodução, que em vários casos têm mostrado ter efeitos importantes a nível populacional; estes efeitos sentem-se não só a nível do sofrimento individual, mas em termos populacionais, à escala do ecossistema. É por isso que este problema ambiental do ruído subaquático tem que ser atendido, medido, inventariado”.

É aí que entra este trabalho, desenvolvido por cientistas de 11 países europeus: Manuel Eduardo dos Santos clarifica que este “assinala uma série de prioridades para os decisores. Não é um estudo científico empírico, é um ponto de situação do conhecimento que existe do ponto de vista técnico, e a identificação de prioridades na investigação e na regulamentação que contribuam para um melhor ambiente marinho”. Entre as medidas sugeridas, o Professor destaca a necessidade de serem “criados e financiados programas e estudos sobre os impactos do ruído a nível populacional; é preciso colmatarmos as lacunas de conhecimento sobre os organismos cuja audição ainda não foi investigada”. No entanto, o ruído subaquático não é o único fator em jogo a impactar o meio marinho; assim, é também essencial “estudar os efeitos cumulativos sobre as espécies que já são impactadas por outros stressores como a contaminação química ou as alterações climáticas. Esta acumulação pode causar alterações significativas nessas populações de animais, que por exemplo já perderam gelo ou tiveram a sua dieta alterada por causa do aumento de temperatura”.

Manuel Eduardo dos Santos acrescenta ainda que é necessário “que as instituições europeias promovam mais investigação aplicada nas técnicas de mitigação: modificação de designs dos navios, hélices e motores – toda a propulsão dos navios tem que ser modificada para reduzir o impacto que esta atividade humana tem; a navegação marítima não vai acabar, mas é preciso que se torne mais silenciosa. A Europa está a investir; recomendamos apenas que o faça mais nessa frente de evolução tecnológica. Para finalizar, desenvolver outras ações de gestão ambiental que se verifiquem úteis na mitigação deste problema, nomeadamente a criação de Áreas Marinhas Protegidas mais vastas, ou de zonas onde as atividades humanas possam ser desenvolvidas de uma forma mais restrita”.

Mais sobre este documento em https://doi.org/10.5281/zenodo.5534224

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