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Marian J. Bakermans-Kranenburg: o que temos em comum

19 de Outubro, 2021

“Interesso-me, basicamente, por algo que temos em comum: muitos de nós temos filhos, mas todos nós fomos crianças”. É assim que a Professora Marian Bakermans-Kranenburg, uma das psicólogas mais reconhecidas e citadas do Mundo, define o seu interesse em estudar as ligações de vinculação entre pais e filhos.

Estas ligações, explica, “são necessárias para a criança explorar o mundo e ter um sítio onde se sente segura – e é por ser algo tão básico que me interesso por isso”. Elaborando, a Professora Bakermans-Kranenburg afirma que “é bastante influente o modo como passamos a nossa infância e as relações que temos com os nossos pais, é algo que nos afeta para o resto da vida”.

A Professora esteve pela primeira vez no Ispa, no passado dia 19 de outubro, para um Ciclo de Conferências que chamou estudantes, investigadores e professores das três áreas do Instituto. Intitulada “Parenting: It’s in the heart, brain and hormones”, esta palestra serviu para termos uma noção mais aprofundada do seu trabalho. Com isto, questionamos a Professora sobre a natureza do seu trabalho pioneiro em suscetibilidade genética diferencial: “começou com a importância da vinculação, ponderarmos se esta é determinada por via genética, como é o caso de muitas outras características nossas, tais como o Índice de Massa Corporal, o QI… Historicamente, assumia-se que a vinculação era um produto exclusivo do ambiente: que a tua vinculação, mais ou menos segura, enquanto criança, dependia apenas do ambiente em que eras criado ou da sensibilidade dos pais, e não se terias algum conjunto de genes para tal”.

Com o advento da era da genómica, foi-se desvendando que cada vez mais características estão relacionadas com fatores genéticos. Aí, explica Bakermans-Kranenburg, “foi a altura certa para testar se o mesmo acontecia com a vinculação, se alguns de nós têm configurações mais ‘securogénicas’ que outros”.

Até agora, a equipa de Bakermans-Kranenburg não encontrou evidência substancial do papel de fatores genéticos na variância da qualidade de vinculação. No entanto, “se tivermos um certo conjunto de genes poderemos ter uma vinculação segura, mas a nossa configuração genética pode deixar-nos mais ou menos vulneráveis a esta segurança, mais abertos às experiências. Isto é uma ideia original de Jay Belsky que faz todo o sentido para crianças em contexto familiar: umas terão uma resposta mais plástica às ações de parentalidade e outras serão menos influenciadas pelo que as rodeia”.

Ora, é exatamente este aspeto que é corroborado pelo trabalho da Professora Marian Bakermans-Kranenburg: “encontrámos evidência que alguns genes, em particular no sistema dopaminérgico, podem de facto ter algo que ver com a abertura a experiências de suscetibilidade. Percebemos que, por exemplo, crianças com uma certa configuração dopaminérgica demonstravam mais comportamentos de externalização quando os seus pais eram insensíveis, mas um nível menor destes comportamentos quando os pais demonstravam sensibilidade. Já crianças com outra configuração estavam mais num nível médio – não importava muito o quão sensíveis os seus pais eram”. Em suma, algumas crianças beneficiavam mais de uma parentalidade sensível, mas eram simultaneamente mais vulneráveis à insensibilidade “e é isso que chamamos de suscetibilidade diferencial”: que crianças e adultos estejam mais suscetíveis ao que acontece em seu redor.

Este fenómeno, não é, para Bakermans-Kranenburg, uma dicotomia: “acredito que haja uma Curva de Bell de suscetibilidades, mas também que estas possam variar; algumas crianças serem mais vulneráveis a inputs auditivos, outras a sociais, uma coisa simples ou um conjunto delas. Isto é importante em termos práticos, porque poderá haver intervenções altamente eficazes em que se desencadeia uma resposta a essas mesmas suscetibilidades; se um tipo de intervenção não resultar, poder-se-á tentar outra. Não é algo uniforme para todos. Portanto, em termos de intervenções, teremos que adaptar às suscetibilidades específicas de crianças e adultos, ver o que é que funciona para quem”.

Terminamos com uma questão sobre o panorama atual: como será que esta pandemia afetou a parentalidade? Quais as perspetivas para o futuro? A isto, a Professora Bakermans-Kranenburg responde que “não tem sido assim tão mau para os pais e crianças passarem mais tempo juntos do que o que estão habituados. Aliás, num dos nossos estudos em pais e bebés, recolhemos dados antes e pós-confinamento: temos aqui uma experiência natural com estas famílias, em que mostramos que os pais após o confinamento passam, em média, uma hora a mais por dia com os seus filhos do que os pais que abordámos antes da pandemia. Ao mesmo tempo, reparámos que os pais que observámos pós-confinamento respondiam de modo mais sensível aos seus filhos – acredito que passar mais tempo com o bebé nos dá uma melhor noção dos seus sinais e facilita uma resposta mais sensível”. No entanto, nem todas as notícias são positivas: “encontrámos também, num estudo feito na China, Itália e Países Baixos, que onde a ajuda dos avós era natural pré-Covid-19 mas impossível durante o confinamento, despertou fatores de stress e, inclusive, um aumento nas situações de abuso, porque os próprios pais acusavam a ausência dos seus progenitores, as suas figuras de suporte”. Com isto, Marian Bakermans-Kranenburg procura encontrar a situação ótima para uma parentalidade eficaz, quem sabe, mais feliz: “na minha opinião, devemos pensar sobre como equilibrar o trabalho e a vida social para um bom funcionamento familiar – isto pode significar passar mais tempo com as crianças, mas também recorrer à ajuda de figuras de suporte, como avós e jardins de infância para aliviar a tarefa dos pais”.

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