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Jorge Gato defende uma abordagem da parentalidade LGBTQ+ sem preconceitos

20 de Março, 2023

“É importante que a Psicologia faça o seu papel” e que se continue a falar das questões LGBTQ+ pois só assim é possível” dar conhecimento da realidade à sociedade para que se possam delinear políticas e medidas que protejam todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual”, afirmou Jorge Gato. Durante a palestra “Parentalidades LGBTQ+: entre a investigação e a intervenção”, que decorreu no Ispa, o professor e psicólogo sublinhou ainda que “não interessa a configuração da estrutura da família, o que interessa são os papéis que assumem”.

A adoção por casais do mesmo sexo é permitida em Portugal desde 29 de fevereiro de 2016. Desde essa altura, mais de duas dezenas de casais adotaram pelo menos uma criança. Apesar dos avanços legislativos e das mentalidades, o Psicólogo/Terapeuta Sistémico e Familiar, Jorge Gato frisou que é importante falar sobre parentalidade LGBTQ+ porque todas as conquistas conseguidas até aos dias de hoje “não significam que as pessoas acedam a estes direitos”. Para o investigador da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto há inúmeras barreiras sociais que impedem o acesso à parentalidade e mesmo a “questão legal não é segura”. Jorge Gato deu como exemplo o que se passou recentemente em Itália, onde o Senado rejeitou uma a proposta de regulamentação da União Europeia que reconhece direitos aos filhos de casais homossexuais e a adoção de um certificado europeu de paternidade. Uma resolução que foi apresentada pelo senador Giulio Terzi di SantAgata, do partido de extrema-direita “Irmãos de Itália”, da primeira-ministra Giorgia Meloni.

É devido a situações como estas que Jorge Gato afirma que “É muito importante que continuemos a investigar e que a Psicologia faça o seu papel”. E que papel é esse? “Sistematizar conhecimento e dar conhecimento da realidade à sociedade para que se possam delinear políticas e medidas que protejam todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual e da sua identidade de género”, afirma. Para o investigador, o importante é que estes casais, estas crianças, estas famílias, consigam viver uma vida sem estigma pois “não interessa muito a configuração da estrutura da família, o que interessa são os papéis que assumem”.

Definição de família mantém-se

A definição de família que se encontra no manual “Terapia Familiar”, de José Gameiro e Daniel Sampaio, [uma rede complexa de relações e emoções] mantém-se quando se fala de famílias LGBTQ+. “É exatamente a mesma coisa. É uma rede complexa de relações e de emoções em que há pais ou as mães, um pai, uma mãe, duas mães, dois pais, ou mais pessoas, até, a desempenharem estes papéis (se falarmos de famílias poliamorosas em que uma destas pessoas, pelo menos, tem uma orientação lésbica, gay, bissexual, ou uma identidade trans ou não-binária).” Gato referiu que “podemos ainda acrescentar outras orientações sexuais, como pansexual, assexual, demissexual, etc., LGBTQ+.”

Em Portugal, os primeiros estudos sobre parentalidade LGBTQ+ remontam aos anos 70 do século XX e debruçaram-se sobretudo sobre mulheres que se divorciaram e se identificaram depois como lésbicas. Desde então, as investigações passaram por várias fases. Hoje, permite-se às pessoas que sejam elas a autodefinirem-se do ponto de vista da sua orientação sexual e da sua identidade de género. Ou seja, não são os investigadores que vão em busca das famílias LGBTQ e de famílias heteroparentais. Vão investigar as que pessoas que querem, sim, partilhar com eles toda a sua complexidade. Inserem-se aqui, por exemplo, estudos com parentalidade trans, não-binária, interseccional, porque há outros fatores que se cruzam com esta categoria de pertença. Há uma maior abertura para a possibilidade de serem as famílias a refletir sobre a identidade dos pais e das mães e, eventualmente, dos filhos. Já não é uma coisa tão imposta de fora.

Intervenção positiva precisa-se

É, pois, por isso importante ter com estas pessoas uma intervenção afirmativa, uma intervenção que nunca problematiza as identidades sexuais e de género das pessoas. O que se problematiza aqui é o estigma. Vai-se à procura das fontes de estigma na vida destas pessoas, mas não só. Procuram-se, também, fontes de proteção – aquilo que protege estas pessoas contra a diversidade. É necessário que haja, aqui, por parte dos psicólogos, uma abordagem positiva destas identidades. “Nós não podemos ser neutros em relação a esta questão pois somos muitas vezes as únicas pessoas com quem estas pessoas falam sobre estes assuntos”, sublinhou Jorge Gato. O professor afirmou que não há técnicas específicas para lidar com pessoas LGBTQ pois não há uma terapia LGBTQ. O que deve existir, continuou, “é uma sensibilidade para usarmos técnicas que conhecemos com as pessoas LGBTQ. E estas técnicas devem ser adaptadas.”

Atualmente, vivemos numa sociedade em acelerada mudança o que leva a questionar métodos e modelos de trabalhos dos próprios terapeutas. Muitos desses modelos, que se usam ainda hoje para “ler” a vida das pessoas não servem a toda a gente. “Talvez nem sirvam, já, às famílias heteronormativas porque também estas famílias estão a mudar”, disse o terapeuta.

Jorge Gato propõe revolucionar o Genograma familiar – representação gráfica da família – de modo a não ser tão impositivo. Para este professor, é necessária uma mudança de atitudes e valores, inclusive dos terapeutas. O professor diz que desde que nascemos, fomos socializados e assimilando valores, mais que acreditemos que não e defende que “talvez o primeiro passo para desconstruir isso seja assumir que sim, todos somos homofóbicos e transfóbicos, inclusive as pessoas LGBTQ. As mensagens que constantemente recebemos é que não é suposto, do ponto de vista social, as pessoas nascerem para serem LGBTQ. As expectativas vão todas no sentido para que venham a ser heterossexuais ou que se identifiquem com o género que lhes é atribuído à nascença, ou seja, cisgénero”.

Em conclusão, Jorge Gato afirma que terapeutas e psicólogos precisam de “refletir sobre as atitudes e valores”.

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