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Aumento de temperatura do mar origina mais “divórcios” entre albatrozes

2 de Dezembro, 2021

O Professor do Ispa Paulo Catry integrou um estudo que descobre uma relação entre o aquecimento da temperatura da água do mar e a prevalência de divórcios numa população de albatrozes. “Eu já trabalhei com questões de divórcios em aves durante o meu doutoramento. É uma questão que me interessa desde há muito. Agora, aproveitámos a oportunidade de termos juntado uma base de dados de quase 20 anos com o nosso estudo de longo-prazo de albatrozes nas ilhas Falkland, e fizemos esta nova análise. Já sabíamos que as condições climatéricas afetam vários aspetos da vida dos albatrozes e suspeitámos que poderiam afetar também o comportamento de divórcio nestas aves. Fomos analisar os dados e encontrámos mesmo o efeito de que suspeitávamos”.

A investigação demostrou pela primeira vez uma influência direta do meio ambiente nas taxas de divórcio de uma espécie monogâmica. Esta descoberta destaca como as condições ambientais, nomeadamente as alterações ligadas ao aquecimento global, podem afetar o mundo vivo de formas que, por vezes, não imaginamos, com consequências nas populações de animais selvagens.

A monogamia social é comum em aves. Os albatrozes são conhecidos por formarem dos casais mais fiéis e longevos do reino animal. Contudo, embora a uma taxa reduzida, os divórcios são uma realidade e, no caso do albatroz-de-sobrancelha de New Island, nas ilhas Falklands, são mais frequentes em anos com temperaturas da superfície do mar mais elevadas. Este resultado decorre de um estudo de longo prazo recém-publicado na revista científica Proceedings of the Royal Society B.

Usando uma base de dados onde se foi registando o destino de cerca de 500 casais de albatrozes ao longo de quase duas décadas, os investigadores foram capazes de monitorizar a ocorrência de eventos de divórcio, ou seja, quando ambos os membros de um par previamente estabelecido estavam vivos na colónia, mas pelo menos um deles se encontrava a nidificar com um novo parceiro. Os investigadores descobriram que a taxa anual de divórcio variou substancialmente no tempo, flutuando entre 1% a 8%.

“Quando percebemos que uma mesma população tinha taxas de divórcio diferentes em anos diferentes, perguntámo-nos se essas flutuações seriam explicadas por mudanças nas condições ambientais enfrentadas pelos albatrozes reprodutores”, descreve Francesco Ventura, investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). “E, de facto, desde o início que os resultados da nossa análise sugeriram que era mesmo isso que estava a acontecer”.

O estudo da monogamia social e do divórcio em aves tem uma longa história e têm sido propostas muitas hipóteses para explicar a razão que leva esses animais a divorciarem-se. Em geral, o divórcio é considerado uma estratégia para corrigir as parcerias subótimas, sendo desencadeado por falhas em tentativas de reproduções anteriores. Em geral, o divórcio é iniciado pelas fêmeas, que deixam o ex-parceiro para se reproduzirem com um parceiro “melhor”. “Não é uma regra estrita”, segundo Paulo Catry, também investigador do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE), que desde 2003 iniciou e coordena o estudo dos albatrozes nas Falkland. “É verdade que casais que falham uma tentativa de reprodução são cinco vezes mais propensos a divorciarem-se. No entanto, muitos casais que não tiveram sucesso permaneceram juntos e alguns que tiveram sucesso divorciaram-se de qualquer forma. O sucesso reprodutor não explica tudo”.

Na verdade, os modelos estatísticos usados nesta investigação mostram que, independentemente do sucesso anterior, os casais de albatrozes são consistentemente mais propensos a divorciarem-se em anos caracterizados por temperaturas da superfície do mar mais elevadas. As temperaturas da superfície do oceano são consideradas indicadores úteis da disponibilidade de alimento para as aves marinhas, com temperaturas mais baixas propiciando águas ricas em nutrientes e mais produtivas, e temperaturas mais altas indicando condições de poucos recursos. “Isto não foi uma surpresa total, pois sabíamos, através de estudos anteriores, que os albatrozes-de sobrancelha de New Island têm mais dificuldade em reproduzir-se com sucesso em temporadas com águas mais quentes”, explica Ventura. “Contudo, o nosso estudo representa a primeira evidência quantitativa de um impacto direto do meio ambiente no divórcio… Isto fez-nos pensar sobre as várias formas, não imediatamente óbvias, pelas quais as mudanças ambientais e climáticas podem afetar as populações selvagens. Quando as aves se divorciam, isso também pode ter implicações negativas para o seu sucesso reprodutor, pelo que o aumento das taxas de divórcio não é inconsequente”.

Os autores concluem o artigo especulando sobre dois mecanismos potenciais que vinculam diretamente o divórcio a condições ambientais mais adversas. “Em anos maus, os custos de reprodução são maiores e isso pode fazer com que os albatrozes precisem de mais tempo para se prepararem para a estação reprodutora seguinte, chegando mais tarde e de forma assíncrona à colónia de nidificação o que, em última instância, leva a que se divorciem com maior frequência”, afirmou o Professor José Pedro Granadeiro do CESAM – FCUL, coautor  do estudo. “Outra possibilidade pode ser representada pelo stress fisiológico. Em anos mais difíceis, as aves têm mais dificuldades em encontrar alimento, e podem ter níveis mais elevados de hormonas de stress. Se um membro do casal, provavelmente a fêmea, atribuir erroneamente o seu próprio stress elevado a um mau desempenho do parceiro nos cuidados parentais, isso pode também levar à rutura de uma relação de casal”.

O Professor Catry planeia continuar este estudo com albatrozes, ao qual tem dedicado boa parte da sua vida profissional, por muitos mais anos. “Com espécies de vida longa, como os albatrozes, realizar estudos de longo prazo é de fundamental importância para compreender a ecologia da população e, em última instância, para promover sua conservação”.

Artigo científico: https://doi.org10.1098/rspb.2021.2112

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